10 livros que a equipa da Livraria Lello adorou ler em 2025
Texto com contribuição de: André Forte, Diogo Ferreira, Francisca Pedro Pinto, Inês Carvalho, Magda Cruz, Maria Bochicchio, Patrícia Godinho, Susana Mano, Sérgio Sousa.
Dos livreiros da Livraria Lello aos criativos do escritório, estas são as escolhas de quem trabalha na livraria mais bonita do mundo. Quem melhor para fazer uma lista das melhores leituras do ano do que quem inspira o mundo a ler?
O mês de dezembro pede que se reúnam os títulos publicados em 2025 de que gostámos mais. Trabalhando diariamente com livros, a equipa da Livraria Lello acompanhou de perto as novidades editadas este ano e que ficaram na memória.
A ficção tem um maior peso na lista das nossas leituras, não fossem as pessoas que trabalham na Livraria Lello uns eternos sonhadores ao serviço do Porto e do país. Assim, reunimos autores e autoras portuguesas que nos apaixonaram com histórias originais e títulos que nos fazem refletir sobre, por exemplo, o perigo da censura da Literatura. Num top 10 (com alguns bónus à mistura) estes são livros com selo de qualidade Livraria Lello.
FICÇÃO
1. “O Fim dos Estados Unidos da América”, de Gonçalo M. Tavares
O mais recente livro de Gonçalo M. Tavares tem sido apontado, por vários órgãos de comunicação social, com uma das melhores leituras do ano. Para a Livraria Lello, foi, sem hesitação,
Enquanto leitores, ficamos profundamente impressionados com a forma como o livro rompe com a narrativa tradicional e constrói uma epopeia moderna, feita de fragmentos, imagens poderosas e ideias desconcertantes. Não é um livro que se leia de forma passiva. Exige atenção, provoca desconforto e obriga-nos a pensar sobre poder, a queda das grandes estruturas e a fragilidade do ser humano perante aquilo que ele próprio constrói.
O que mais marca a nossa leitura é a originalidade da escrita e a coragem do autor em não facilitar a leitura. (De resto, M. Tavares defende que a Literatura tem de ser desafiante e pôr o leitor a pensar.) Cada página parece carregar um peso simbólico que permanece em quem lê muito depois de o livro terminar. A “queda” apresentada não é apenas a de uma nação, mas a de certezas, valores e ilusões do mundo contemporâneo — algo que sentimos como profundamente atual.
Apreciamos, especialmente, a sensação de estarmos a ler um livro que não se esgota numa única interpretação. Publicado em novembro, pela Relógio d’Água, “O Fim dos Estados Unidos da América” convida à releitura e à reflexão. Este livro faz-nos sentir que a literatura ainda pode ser surpreendente, inquietante e necessária. Trata-se de um livro não só memorável, mas também uma das leituras mais marcantes do ano.
2. "O Último Avô”, de Afonso Reis Cabral
Que não se esgotem os prémios para Afonso Reis Cabral. Ganhou o Prémio LeYa com o romance “O Meu Irmão”. Foi lhe atribuído o Prémio José Saramago com o seu segundo romance, “Pão de Açúcar”. Falta saber que prémio vencerá com o novo livro, “O Último Avô”.
O livro parte de uma premissa simples: a relação entre um avô e um neto -, mas adensa-se. Neste romance, conhecemos um dos maiores escritores portugueses (“uma instituição nacional” com obra “celebrada da cabeça aos pés e traduzida e filmada e autopsiada pela academia, à qual só fugira o Nobel”), Augusto Campelo, e o seu único neto.
Há livros cujas primeiras frases ficam na memória coletiva dos leitores. Neste caso, não é apenas a abertura de “O Último Avô” que merece destaque. É todo o primeiro capítulo. As primeiras páginas constituem um arranque magnífico de um romance marcante. Já tínhamos aprendido com algumas das maiores obras de Literatura que uma fagulha pode destruir o maior dos empreendimentos. Aqui, foi a chama de um fósforo, alimentada por gasolina, que destruiu um manuscrito – o manuscrito que a crítica literária sempre esperou que Campelo escrevesse. O livro que, ninguém tinha dúvidas, “quando chegasse, seria terrível e maravilhoso.”
Com personagens de hábitos inusitados, como demolhar o bacalhau no autoclismo da retrete, escrever com o fedor de uma pomba morta na gaveta da sua secretária ou apanhar bicos-de-lacre com uma gaiola só para os observar de perto, o livro aborda mais do que guerra colonial, uma espécie de centro-coração do romance.
Afonso Reis Cabral toca nos temas que mais nos interessam: os traumas de família (esses fios invisíveis que nos ligam de geração em geração), a falta que faz uma mãe, o mal que nos faz abafar emoções, mas também a inveja e o aproveitamento do sucesso alheio, a coragem de abandonar velhos hábitos e, ainda, o perigo de romancear a memória. Além disto, há ainda um ponto central: a gestão entre a visão de futuro do neto, a ideia que os outros têm do que será de nós, e o fatalismo de acabarmos a seguir os mesmos hábitos do que os nossos pais.
No meio de todos estes temas — magistralmente geridos na narrativa como um artista manobra malabares no ar —, é o coração da guerra que bate entre os capítulos. Angola. A tropa. O trauma. A solidão. O carácter.
Um livro aparentemente simples revela-se de maior complexidade quando o protagonista decide que também tem uma voz literária. Não podemos deixar de lançar um esgar ao livro quando compreendemos as artimanhas com que o autor se mune. Ao longo da narrativa, o leitor acha que sabe perfeitamente por onde o escritor quer ir. No entanto, essa sensação é incrivelmente esvaziada ao fim da leitura.
Nem a meio do livro, o início de um capítulo oferece uma sinopse sob uma cortina de fumo: “Duas pessoas podem enganar-se quando caminham de mãos dadas: podem achar que vão juntar. Trata-se de um equívoco comum, sobretudo na família, em que seguimos lado a lado. O problema é acharmos que vamos para o mesmo destino.”
Faltava um romance assim nas prateleiras das livrarias. “O Último Avô” chega aos leitores como um livro de narrativa simples, mas que tira partido de mecanismos complexos e que evidencia que a escrita é “uma coisa pura no meio da imundície”, mas que para alguns pode ser precisamente o oposto.
3. “Filho do Pai”, de Hugo Gonçalves
Este é um livro classificado pela editora, a Companhia das Letras, como ficção. No entanto, encontramos mais verdade do que fábula neste novo livro. Quem acompanha a obra de Hugo Gonçalves sabe que “Filho do Pai” é mais do que rasgos elegantes de romance. É a soma de registo diarístico — com desabafo, descrição dos dias e projeção do futuro — com o ritmo do discurso novelístico.
Depois da escrita de “Filho da Mãe”, Hugo Gonçalves não projetava a escrita de “Filho do Pai”. O primeiro é uma tentativa de fazer o luto pela mãe. O segundo é a descrição do que é ser filho e, ao mesmo tempo, pai, uma vez que, quando Hugo sabe que vai ter um filho, descobre que o seu pai está doente.
Durante a leitura, fica claro que o escritor sabe bem o que faz. Numa acrobacia dificilmente detetada pelo leitor (efeito que é desejável), decide aquilo que figura no livro e aquilo a que não levanta o véu. Há conversas que ficam entre ele e o pai. Esta permissão dada ao leitor de imaginar o que terá acontecido é, de resto, um ato de perícia. Um ato que, ao ler, nos faz lançar um impropério ou outro (“Que autor filha da mãe...”), já que, desafiados, fomos a jogo e o autor venceu.
Este livro é um híbrido de enorme qualidade: é sensível sem fazer chorar as pedras da calçada; é terno, mesmo sem fazer promessas de tréguas ou pazes entre pai e filho; e é incrivelmente divertido sem recorrer ao ridículo em cenários românticos.
Autor de romances de grande qualidade, como “Revolução”, “Deus Pátria Família” e “O Caçador do Verão”, Hugo Gonçalves continua a impressionar-nos seja com ficção ou não ficção. Este díptico de “Filho da Mãe” e “Filho do Pai” vem-nos baralhar as ideias. Afinal, conhecemos melhor um autor pelos seus romances ou pela sua agenda?
4. “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva
Este é um comovente testemunho, na primeira voz, de um período negro da história do Brasil. A partir da história da família do autor, Marcelo Rubens Paiva, acompanhamos a realidade vivenciada durante a ditadura militar, no início da década de 70.
A narrativa centra-se em Eunice e no angustiante desaparecimento do seu marido, um preso político, torturado e morto pelo regime militar. Eunice dedica toda a sua vida à luta pela justiça e recuperação da memoria. É, por isso, muito significativo o leitor ter conhecimento da sua doença. Eunice sofre de Alzheimer.
“Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, foi publicado em janeiro de 2025, pela Dom Quixote, dez anos depois da sua edição original no Brasil. É um verdadeiro hino ao amor e liberdade, valores intemporais que, na atual sociedade de extremos, é cada vez mais importante não esquecer.
Este é o livro que deu origem ao filme protagonizado por Fernanda Torres. "Ainda Estou Aqui”, ganhou, pela mão de Walter Salles, o Óscar de Melhor Filme Internacional graças à atriz.
5. "O Vício dos Livros II", de Afonso Cruz
Há livros que se leem, outros que se "sentem". Talvez pela nossa profissão, de livreiros, sempre que lemos livros que falam sobre livro é inevitável não ficar com a sensação de "coração quente e de um abraço apertado".
A leitura deste livro transformou-se numa das mais especiais do ano. Com “O Vício dos Livros” a ganhar uma continuação nasce um ato íntimo e secreto, como o de acender uma luz numa sala escura. Para nós, Afonso Cruz conseguiu entregar aos leitores uma parte II ainda mais luminosa.
Com este título, revivemos a memória de muitos dos livros de que gostamos, mas também de outros tantos que [ainda] não lemos, mas com que ficamos com vontade de conhecer.
Neste segundo exercício do autor português na metaliteratura, publicado pela Companhia das Letras no mês em que celebramos o Dia Mundial do Livro, (re)encontramos algumas das frases sublinhadas em silêncio. Deparamos com, mais uma vez, alguns "momentos mágicos" que só acontecem entre quem lê e quem escreve.
Acima de tudo, este livro fala do vício mais bonito: o de procurar sentido nas palavras, consolo nas histórias e abrigo no papel. E isso — por si só — é especial.
6. “Educação da Tristeza”, de Valter Hugo Mãe
Como leitores habituais da obra de Valter Hugo Mãe, “Educação da Tristeza” tocou-nos de uma forma particularmente intensa.
Este é um livro que não pretende explicar a tristeza, mas ensiná-la a existir — a reconhecê-la como parte inevitável e fundadora da experiência humana. A escrita delicada e profundamente empática é construída a partir de textos breves, quase meditativos, que convidam o leitor a parar, a escutar e a sentir. Não há, nestas páginas, dramatização excessiva nem sentimentalismo fácil; há antes uma atenção ética ao sofrimento, à fragilidade e à dignidade das emoções.
Publicado a meio do ano pela Porto Editora, uma das características que mais apreciamos neste livro é a clareza poética da linguagem. Valter Hugo Mãe escreve com simplicidade aparente, mas cada frase carrega um peso emocional e reflexivo que permanece no leitor. A tristeza surge não como algo a eliminar, mas como uma experiência que educa, que aprofunda o olhar e humaniza.
A Livraria Lello recomenda este livro a leitores que procuram uma leitura íntima, serena e transformadora — não necessariamente confortável, mas honesta. “Educação da Tristeza” não se lê com pressa: lê-se com o tempo de quem aceita que sentir também é uma forma de aprender.
7. “Nem todas as árvores morrem de pé”, de Luísa Sobral
A Livraria Lello teve a honra de ser das primeiras a receber apresentações do primeiro romance de Luísa Sobral. Lançado em fevereiro, poder-se-ia pensar que o livro podia cair no esquecimento, mas não. Para os livreiros da Livraria Lello, este foi um livro que nos tocou de forma muito especial. Talvez por já conhecermos a autora enquanto cantora e compositora, talvez porque a sua sensibilidade artística transparece em cada página, ou talvez por a história retratada ser profundamente humana.
O livro faz uma desconstrução da metáfora que lhe dá título. Vivemos numa sociedade que venera a árvore que morre de pé, a ideia de que devemos aguentar tudo sem quebrarmos, mantendo uma aparência intacta. No entanto, Luísa Sobral, com a sua capacidade de nos transportar para as pequenas coisas, propõe o oposto. A escrita tem um traço claramente poético. Afinal, Luísa Sobral vem da música: há um ritmo próprio nas frases, uma delicadeza no uso das palavras e uma atenção quase musical ao silêncio, ao que não é dito. A linguagem é simples, mas nunca pobre; pelo contrário, é rica em emoção e significado, capaz de dizer muito com pouco.
Este livro é um sussurro. Quase passa despercebido, mas ensina-nos que a verdadeira resistência é um trabalho invisível, tal como o crescimento das raízes. O título funciona como um memento mori delicado. É um relembrar da finitude e das diversas formas que ela assume. “Nem todas as árvores morrem de pé" valida a tristeza como um lugar de visita — um lugar importante, mas não permanente.
A história é extremamente tocante, sobretudo por sabermos que se inspira numa história real. A verosimilhança dá-lhe um peso emocional ainda maior. O livro aborda amor, perda, memória, identidade e raízes — temas universais que qualquer leitor consegue reconhecer. Há uma melancolia constante, mas não pesada: é uma tristeza suave, bonita, quase necessária.
Ao aceitar a imperfeição como a forma mais honesta de estar vivo, retira a culpa a quem se sente frágil. Somos todos herdeiros de um passado que nos molda. A autora não culpa o mal, mas humaniza o erro. Traz a verdade cinzenta da existência consigo. Este é um livro com uma proposta de empatia radical, uma lembrança de que as fronteiras físicas podem cair, mas os "muros" internos demoram gerações a serem derrubados. As personagens são humanas, imperfeitas e reais, e é fácil criar uma ligação com elas. Sentimos que o livro não tenta impressionar com grandes acontecimentos, mas sim com pequenos gestos, sentimentos subtis e reflexões profundas sobre a vida.
No final, “Nem Todas as Árvores Morrem de Pé” deixa-nos com a sensação de termos lido algo íntimo e verdadeiro. Trata-se de um livro que se lê com o coração aberto e que prova que Luísa Sobral não é apenas uma excelente compositora, mas também uma escritora sensível e talentosa. É uma obra delicada, poética e profundamente marcante.
8. “A Biblioteca do Censor de Livros”, de Bothayna Al-Essa
Há livros para todos os gostos. Há um género para aqueles leitores que procuram respostas aos problemas do mundo real na ficção, que esperam que ver a sua experiência espelhada nas páginas lhes traga clareza, ou que, simplesmente, não convivem bem com a felicidade. Deus quer, o Homem sofre, a distopia nasce.
Também existe um género que responde àqueles que se dedicam tanto à arte de amar o livro, que até dentro da própria leitura querem conviver com este objeto encantador: os autorreferenciais livros sobre livros. Na junção destes dois géneros encontramos "A Biblioteca do Censor de Livros".
Neste romance de Bothayna Al-Essa, acompanhamos um censor de livros enquanto este cai "down the rabbit hole" (temos referências a “Alice no País das Maravilhas” amiúde). O profissionalismo deveria impedi-lo de imaginar, mas, ao ler as histórias que deveria censurar, não consegue evitar. Quem o pode censurar?
O protagonista acaba por arriscar a própria vida para proteger toda a história, cultura e conhecimento que os livros guardam. “A Biblioteca do Censor de Livros” é uma ode a obras que o antecederam. Fala-nos de “1984”, de George Orwell e de “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury: não esconde estas referências que, assumidamente ou não, influenciam o género até aos dias de hoje. No momento em que vivemos, em que vemos uma censura crescente de livros que nos introduziram ao pensamento crítico, à dor alheia e aos perigos da passividade, este livro parece-me uma leitura particularmente importante — nem que seja para reforçar que a leitura é determinante.
9. “Como Animais”, de Violaine Bérot
A partir de uma série de diálogos e interrogatórios sobre uma família que vive numa certa marginalidade, a Violaine Bérot reflete sobre exclusão social que vão bem além da epiderme.
Com uma nova edição, este ano, pela Antígona, “Como Animais” é um livro aparentemente simples, mas que, pela voz de personagens diferentes — quase todas distantes da que é objeto dos diálogos —, consegue levar qualquer leitor a indagar sobre igualdade, equidade e o equilíbrio sensível entre estes dois conceitos, prontamente diluído em generalizações mais legalistas.
A vida de alguém que não fala e que vive numa montanha, apenas com a sua mãe, passa a ser um verdadeiro tratado sobre certo e errado, sobre moralidade e legalidade, e sobre a precipitação geral no julgamento em relação a desvios de normas.
O livro oferece uma perspetiva valiosa em relação a inúmeros temas. Com um certo realismo mágico por via da presença nas montanhas de certas figuras místicas, é abordado o abuso, nas suas várias formas: o abuso sexual e o abuso de poder, os mais evidentemente tratados pela autora.
O artifício que a autora desenvolveu para contar uma história sobre ambos — o abuso sexual e o abuso de poder —, e que tem como pico narrativo a narração da impotência e do desespero de uma mãe, não se apresenta demasiado óbvio, (nem visual, já agora) mas carrega uma sensibilidade francamente comovente, o que torna o final ainda mais trágico. Não é, definitivamente, um livro leve, mas é de leitura recomendada. Apesar de passar pelo leitor com uma certa ligeireza, não é isento nas emoções que cria.
NÃO FICÇÃO
1. “Lampedusa - Ir e não chegar”, de Ana França
No que toca a não-ficção, temos de sublinhar o trabalho da jornalista Ana França. Depois de um diário da guerra na Ucrânia (“Ali Está o Taras Shevchenko com Um Tiro na Cabeça: Diário da Ucrânia”, publicado em fevereiro de 2023), a repórter viu editada, também pela Tinta-da-China, a sua investigação das migrações para a Europa: “Lampedusa - Ir e não chegar”.
O livro retrata o caos no Mediterrâneo, no dia 3 de outubro de 2013, o trágico naufrágio na rota de imigração mais mortal do mundo.
Este é um livro duríssimo, que inova pela forma como a história é contada e, também, pela voz original de Ana França. Nele, a repórter conta-nos a sucessão de eventos que levou a este naufrágio que resultou em 366 mortes — o mais trágico na história da ilha siciliana.
Começamos por seguir Solomon, um dos sobreviventes, e Adal, que perdeu o irmão nesse dia. Simultaneamente a este fio condutor — as pessoas — refletimos sobre outros acidentes deste género e a crise de migração na Europa.
Isto é Jornalismo puro e duro. Este é um livro essencial para compreender a matéria de fluxos migratórios, bem como para voltar a entusiasmar os leitores pelo Jornalismo.
2. “Algoritmocracia”, de Adolfo Mesquita Nunes
Na Livraria Lello, somos leitores interessados nas transformações do mundo contemporâneo. Assim, “Algoritmocracia”, de Adolfo Mesquita Nunes, cativou-nos pela clareza com que o autor aborda um tema complexo e frequentemente tratado de forma excessivamente técnica: o poder dos algoritmos na nossa vida quotidiana.
O que mais apreciamos neste livro é a forma como é evidenciado que os algoritmos não se limitam a organizar informação, mas intervêm ativamente na formação das escolhas individuais e coletivas. Ao selecionar o que vemos, lemos ou consumimos, os algoritmos influenciam preferências culturais, comportamentos sociais, decisões económicas e até posicionamentos políticos. Muitas dessas escolhas são vividas como livres, quando, na realidade, resultam de processos invisíveis de filtragem, hierarquização e recomendação.
A “algoritmocracia” não é apresentada como um cenário distante ou futurista, mas como uma realidade já instalada, que atravessa múltiplas dimensões da vida social: da comunicação à cidadania, do mercado de trabalho à esfera pública. O livro mostra com clareza como essa lógica pode afetar a qualidade da democracia, condicionando o debate público e a circulação da informação, sem que disso tenhamos plena consciência.
Destacamos ainda o tom equilibrado da obra. Editado pela Dom Quixote em outubro, e apresentado na Livraria Lello no mês seguinte, neste livro não há alarmismo nem demonização da tecnologia. Há, sim, uma reflexão crítica sobre os limites da eficiência algorítmica quando confrontada com valores como a liberdade, a transparência e a dignidade humana. Por isso, recomendamos “Algoritmocracia” a leitores que procuram compreender melhor o mundo digital em que vivem, num exercício de lucidez e responsabilidade cívica.
ALÉM DOS TOPS
Uma lista de dez livros deixa, naturalmente, inúmeros livros de fora. Mas, como queremos que alguns títulos figurem neste texto, dando uma oportunidade de os leitores os encontrarem, ressalvamos que muitos títulos de enorme qualidade foram publicados este ano.
“A Chuva que lança a areia do Saara”, de Ana Margarida de Carvalho, é uma agradável surpresa. Não só porque a autora volta à carga na escrita, como nos oferece um livro desafiante, complexo e que reflete sobre uma questão premente: o cansaço. Neste romance fulgurante, a autora agora publicada pela Companhia das Letras expõe vários tipos de exaustão. Chegados ao final da leitura, somos brindados com um remate algo bíblico e fundacional, tal dilúvio.
No início do ano, também chegou às livrarias o vencedor do LeYa 2024: “Pés de Barro”, de Nuno Duarte. Com narrativa situada nas margens do Tejo, que banham Lisboa e cujas águas passam de baixo da Ponte 25 de Abril, o autor estreia-se com um romance com laivos saramaguianos que nos encantou por de mais. O autor confessa que teve o atrevimento de escrever este livro e que correu bem. Agora, se lhe apontassem uma pistola e tivesse de escrever três livros, já tinha ideias, mas não sente pressão de escrever. Não queremos apressar Nuno Duarte, mas queremos ler mais.
Um dos romances do ano tem de ser, também “Lobos”, de Tânia Ganho. No regresso da autora à ficção, o leitor depara com uma história que compila inúmeras temáticas e que, incrivelmente, não ficam coxas. Todos os temas têm desenvolvimento: o trauma da guerra, a privacidade na internet, a natureza, as relações familiares, as profundezas sórdidas da dark net.
No campo da Poesia, destacamos “Livro de Caligrafia”, de Nuno Júdice, um inédito encontrado no espólio do autor e cuja edição inclui o fac-símile do original.
Para amantes de novelas gráficas, queremos recomendar “O Caminho de Volta”, de António Jorge Gonçalves. Esta é uma cartografia de uma cidade, vista pelo núcleo mãe-filho.
Terminamos com teatro, destacando “Na medida do impossível”, de Tiago Rodrigues, autor das célebres peças “Catarina e a beleza de matar fascistas” (também publicado pela Tinta-da-China) e “No Yogurt for the Dead”.
A pergunta que guia o livro é: Que motiva um ser humano a arriscar a sua vida para ajudar os outros? A partir do trabalho de profissionais humanitários (pessoas com o desejo de mudar o mundo, mesmo sabendo que vão falhar), a peça foi elaborada a partir de entrevistas com pessoas que trabalham em campo de guerra, com refugiados, com pessoas no limbo.
A peça estreou-se em Genebra, em 2022. Chegou agora em formato livro para recordarmos a encenação ou, caso não tenhamos ainda visto a peça, imaginá-la na nossa cabeça.
Depois de um ano a celebrar o amor, combatemos a solidão com amizade
O ano de 2025 não fica completo sem a sugestão dos livros que guiaram a Livraria Lello durante todo o ano. No Natal, inspiramo-nos em “O Feiticeiro de Oz”, a escolha literária para esta quadra para a Responsável de Marketing e Comunicação da Livraria Lello.
Para Francisca Pedro Pinto, num tempo em que a solidão é reconhecida como uma epidemia global, ler é um gesto profundamente humano e um antídoto silencioso contra o isolamento: “Inspirámo-nos em ‘O Feiticeiro de Oz’ para lembrar que nenhum feiticeiro concede o que a amizade já oferece. Dorothy, o Homem de Lata, o Leão e o Espantalho mostram-nos que é juntos que reencontramos o caminho a casa. Queremos sublinhar que a leitura é isso mesmo: um caminho partilhado, uma companhia constante e, talvez, a forma mais bela de viver mais e melhor”, conclui a responsável.