"As Mãos da Avó": Um Encontro entre Gerações, Memórias e Tempo

Na noite de 15 de maio, a Livraria Lello encheu-se de emoção e contemplação com o lançamento do novo livro infantil de Inês Cardoso, As Mãos da Avó, uma obra que celebra o encanto da infância, o saber ancestral e a importância de abrandar para ver o mundo com olhos mais atentos.
Com moderação da artista Capicua e a presença da editora Ana Margarida Noronha, da Kalandraka Portugal, e da ilustradora Susana Matos, a sessão foi uma celebração do vínculo entre gerações, da memória afetiva e da beleza que habita o quotidiano. O livro está já disponível em três línguas — português, castelhano e galego — e conquistou os leitores pela sua delicadeza narrativa e estética.
“Esta história tem muito da minha infância e das minhas vivências de grande proximidade em família”, partilhou Inês Cardoso em entrevista à TSF. “Mas depois, nasce também de uma necessidade de refletir sobre o tempo.”
Narrado na primeira pessoa e no tempo presente, o livro revela-nos a voz de uma menina que observa com admiração a sua avó, aprendendo com ela saberes antigos como a arte de fazer queijo, a costura como forma de reutilização, o cultivo da horta ou o cuidado com os bosques.
"É um livro que eu acho que é contracorrente, precisamente pelo seu ritmo. O tempo que demora um pessegueiro a crescer, o tempo que demora o queijo até estar no ponto certo, o tempo que, na infância, parece sempre muito longo, mas que, à medida que vamos crescendo, percebemos que é curto demais.", partilhou Capicua no evento.
Esses gestos, tão simples quanto fundamentais, são apresentados com o respeito de quem reconhece na avó a sabedoria silenciosa de um tempo mais lento e resiliente. Na apresentação do livro, Inês Cardoso refletiu sobre como este respeito pelo tempo se traduz num respeito pela natureza, pelos seus ritmos divergentes e inconsistências, o que, em torno, nos ensina a ser mais pacientes com nós mesmos. Na sua reflexão, a rapper Capicua ecoou esse mesmo sentimento "Também nos fala sobre a importância da espera, não como um hiato, mas como uma construção."
As personagens principais — a neta e a avó — não têm nome. A escolha é intencional, pois o livro quer ser universal. São vozes, gestos e experiências que pertencem a muitas infâncias e a muitas avós, permitindo que cada leitor se reveja na ternura dessa relação.
A obra destaca-se também pelo seu cuidado estético. As ilustrações de Susana Matos, realizadas em grafite com subtis pinceladas de cor, captam cenas domésticas e rurais com um traço realista e poético. Imagens que evocam a fusão entre o humano e o natural, o tempo e a memória. No evento de lançamento, Susana Matos confessou que, não intencionalmente, talvez a inspiração tenha sido a sua própria avó.
"Está aqui também a minha avó. Está também a minha filha. De uma forma um bocado inconsciente. Há sempre alguém que vem e que me faz este reparo. (...) E comecei a reparar que não era só parecida com a minha avó. Ela tem a manta de costura. Realmente a minha avó costurava mantas. As filhoses..."
O processo de criação levou mais de dois anos, respeitando o tempo necessário para que texto e imagem atingissem a maturidade certa, espelhando o próprio tema da obra. No coração de As Mãos da Avó está esse apelo: que saibamos recuperar o tempo demorado das histórias contadas à lareira, o valor da primeira filhoses da noite de Natal, a paciência das mãos enrugadas que ensinam e cuidam. E foi esse espírito que preencheu a Livraria Lello neste lançamento — um momento de encontro entre o passado e o presente, entre o que somos e o que herdamos.