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Ana Aragão

Como construir uma escada com livros


Parece-me importante explicar como se pode construir uma escada com livros, porque nenhuma das versões que encontrei — a versão powerpoint e a versão pinterest —  é propriamente credível ou elegante, tampouco poética. A primeira é um desenho abstracto com livros abstractos e uma pessoa abstracta e onde a lei da gravidade, mas também a do gosto, não se verifica. A versão pinterest é uma solução para espaços pequenos, onde debaixo dos degraus se arrumam os livros e que, para além de fotogénica, é apenas “gira”. 
Não é disso que se trata aqui. Trata-se de formular um método que permita associar e sobrepor livros até chegar a um sítio onde possamos ver as coisas desde cima, que é donde se vê tudo, ou quase tudo, melhor. Em primeiro lugar, temos de nos reduzir a nós próprios, como a Alice ou aquela música do Samuel Úria. Não tanto como em Lilliput, a proporção ideal de redução é para cerca de 1/3 do nosso tamanho, o que quer dizer que uma pessoa como eu, de 1,58 m de altura passa a ter uns 52,6 cm, arredondando. 
Os primeiros degraus têm que ser feitos com o Tio Patinhas (em sinédoque porque são muitos), que lia e relia ao pequeno almoço; os degraus seguintes deverão ser livros do Quino: não é má ideia partir do desenho para chegar às outras coisas. O terceiro degrau tem os livros de Sophia que lemos na infância e que comovem só de lembrar; mais à frente, bem mais à frente, estão os de poemas brancos a praia espera não sei se regressa (desculpem que perco o nexo só de pensar). Ainda por cima não é uma escada simples, é uma escada que se bifurca duas vezes para nos garantir que qualquer que seja a nossa escolha, teremos de fazer outra logo a seguir. 
Na primeira bifurcação temos Italo Calvino, não só as cidades, mas os eternos inícios e as lúcidas lições para este milénio. Ao longo das escadas estão dispostos livros cujo título é uma data, que são geralmente boas oportunidades para ver as distopias em perspectiva. Mas adiante, que isto não é a história do meu trabalho, mas sim instruções claras para a construção de uma escada com livros. Ao longo de toda a escada, intercalado com os outros livros, aparece José Saramago: os livros que li, os que não li, e um ou outro que ele nem sequer escreveu. Uma escada em pedra é sempre mais resistente. 
Os livros que me ofereceram são degraus não descuráveis, receber um livro é uma responsabilidade tão grande como oferecer. Os volumes de Borges completo, tal como livros soltos, entrevistas, lições e aulas, todas as edições do mesmo livro, etc. ad infinitum, são os grandes responsáveis pelas bifurcações na escada, tal como Kafka. Clarice Lispector é excelente para fazer as curvas e os livros de arquitectura são ideais para, debaixo dos outros, criar estabilidade. Livros com dedicatória ficam quase a chegar ao varandim. Os livros cor de laranja, a começar pelo de Herberto Hélder, são os únicos que não convém calcar. Temos de dar uma passada maior e pousar os pés, um de cada vez, nos dicionários, gramáticas, enciclopédias, nos livros sobre livros. 
Em Proust devemos ter prudência, porque pode sugerir que paremos um pouco para pensar e as escadas, como a música, exigem uma cadência. Ficar parado num miradouro é desejável, num jardim romântico é poético, agora a meio de umas escadas…é estranho. É mais aceitável parar uns segundos num patamar. Só que estas escadas, por mais insólito que pareça tendo em conta as duas bifurcações, não têm patamar nenhum. Relativamente aos livros vermelhos e volumosos que as escadas contêm há que ter respeito, normalmente são solenes. Dos que mais gosto são os que tapam as brechas entre os livros maiores, livros que se lêem de um fôlego. Há tantos que gostava de nomear, mas depois fico sem tempo para subir a escada, e de facto é aos ombros de gigantes que vemos melhor. 
Chegada ao patamar onde me encontro, fico na dúvida se alguém percebeu esta minha muito atabalhoada explicação ou se preferiam que vos tivesse feito um desenho. 
 
  
Ana Aragão 

Fotografia: Cláudia Rocha