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07 de dezembro de 2021
THE KISSING LADY: UM NATAL POUCO JAPONÊS NO PORTO
Por Filipa Leal
"(Esse Natal) foi inesquecível e difícil de resumir, mas há dois ou três pormenores que me ficaram, como a Chie ficou, para sempre".
Passei todos os Natais da minha vida no Porto. A minha vida não tem sido toda passada no Porto: aos 18 anos, fui estudar para Londres, onde vivi três anos; aos 28, fui trabalhar para Lisboa, onde vivo há 13 anos. Mas nunca falhei um Natal em família, a Norte.
No primeiro ano da Faculdade, uma das amigas que viria a ser para a vida inteira, a Chie Ono, não tinha hipótese (tempo? dinheiro?) de ir passar o Natal a Osaka, a sua cidade japonesa. Teria de ficar “sozinha” em Londres, no Campus de Harrow, da Universidade de Westminster, que ficava ali perto de Wembley, onde vivíamos para estudar - amando de longe as famílias. Os meus pais, que já a conheciam, convidaram-na imediatamente para vir passar o Natal connosco a Portugal. Foi inesquecível e difícil de resumir, mas há dois ou três pormenores que me ficaram, como a Chie ficou, para sempre. Serão pormenores pouco natalícios, e dariam até uma lista razoável de mal-entendidos naquela festa subitamente cosmopolita.
O primeiro mal-entendido foi o bidé, que uma rapariga japonesa de 18 anos nunca tinha visto e pensava que servia para lavar o cabelo.
O segundo mal-entendido foi uma espécie de cerimónia do avesso: se, em Portugal, é costume dizermos que não queremos mais, muito obrigada, enquanto o anfitrião insiste para que aceitemos (de bom grado!) mais um copo, no Japão, a coisa passava-se exactamente ao contrário, e nós não sabíamos. O meu pai perguntava à Chie se queria mais um copo de vinho do Porto, e outro, e outro, e a Chie (que nunca bebia álcool!) dizia sempre que sim, que sim, que sim. Era um sinal de boa educação dizer sim enquanto o anfitrião insistisse. Ainda hoje me pergunto porque é que nós, Portugueses, insistimos tanto...
O terceiro mal-entendido foi a gritaria à mesa, a 24 de Dezembro, do lado da família materna. Uma mesa feliz e barulhenta: falava-se alto, bastante alto, em português e em inglês e em japonês, que os mais novos queriam saber como é que se dizia Natal na língua da Chie; passavam-se as travessas de sonhos e rabanadas; abriam-se “christmas crackers” e lia-se o futuro. Tudo alto, como é costume numa mesa portuguesa, com certeza. Uma alegria imensa! Assustada, a Chie chamou-me à parte e perguntou-me, bastante aflita: porque é que estão todos a discutir?
O quarto mal-entendido foi uma avó beijoqueira. Se pensarmos no Japão, um país onde, muito antes desta pandemia de 2020, as pessoas já se cumprimentavam curvando-se, nunca se beijando, o que faltava aqui era uma avó paterna extremamente beijoqueira. Na noite de 25 de Dezembro, a Chie recebeu tantos beijos (não apenas da minha avó, é certo, que nós somos muitos primos e muitos tios e, neste país de antes do Covid-19, todos se cumprimentavam assim), que no dia 26 de Dezembro, já possivelmente exausta de tanto mal-entendido, a minha amiga japonesa só me perguntou se tínhamos de ir outra vez a casa da “kissing lady”.
No primeiro ano da Faculdade, uma das amigas que viria a ser para a vida inteira, a Chie Ono, não tinha hipótese (tempo? dinheiro?) de ir passar o Natal a Osaka, a sua cidade japonesa. Teria de ficar “sozinha” em Londres, no Campus de Harrow, da Universidade de Westminster, que ficava ali perto de Wembley, onde vivíamos para estudar - amando de longe as famílias. Os meus pais, que já a conheciam, convidaram-na imediatamente para vir passar o Natal connosco a Portugal. Foi inesquecível e difícil de resumir, mas há dois ou três pormenores que me ficaram, como a Chie ficou, para sempre. Serão pormenores pouco natalícios, e dariam até uma lista razoável de mal-entendidos naquela festa subitamente cosmopolita.
O primeiro mal-entendido foi o bidé, que uma rapariga japonesa de 18 anos nunca tinha visto e pensava que servia para lavar o cabelo.
O segundo mal-entendido foi uma espécie de cerimónia do avesso: se, em Portugal, é costume dizermos que não queremos mais, muito obrigada, enquanto o anfitrião insiste para que aceitemos (de bom grado!) mais um copo, no Japão, a coisa passava-se exactamente ao contrário, e nós não sabíamos. O meu pai perguntava à Chie se queria mais um copo de vinho do Porto, e outro, e outro, e a Chie (que nunca bebia álcool!) dizia sempre que sim, que sim, que sim. Era um sinal de boa educação dizer sim enquanto o anfitrião insistisse. Ainda hoje me pergunto porque é que nós, Portugueses, insistimos tanto...
O terceiro mal-entendido foi a gritaria à mesa, a 24 de Dezembro, do lado da família materna. Uma mesa feliz e barulhenta: falava-se alto, bastante alto, em português e em inglês e em japonês, que os mais novos queriam saber como é que se dizia Natal na língua da Chie; passavam-se as travessas de sonhos e rabanadas; abriam-se “christmas crackers” e lia-se o futuro. Tudo alto, como é costume numa mesa portuguesa, com certeza. Uma alegria imensa! Assustada, a Chie chamou-me à parte e perguntou-me, bastante aflita: porque é que estão todos a discutir?
O quarto mal-entendido foi uma avó beijoqueira. Se pensarmos no Japão, um país onde, muito antes desta pandemia de 2020, as pessoas já se cumprimentavam curvando-se, nunca se beijando, o que faltava aqui era uma avó paterna extremamente beijoqueira. Na noite de 25 de Dezembro, a Chie recebeu tantos beijos (não apenas da minha avó, é certo, que nós somos muitos primos e muitos tios e, neste país de antes do Covid-19, todos se cumprimentavam assim), que no dia 26 de Dezembro, já possivelmente exausta de tanto mal-entendido, a minha amiga japonesa só me perguntou se tínhamos de ir outra vez a casa da “kissing lady”.
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